O Custo da Pílula de Prevenção a AIDS e o Alto Custo do Tratamento- Truvada
Na última segunda-feira (16-07-2012) a FDA (Agência Federal de Alimentos e Medicamentos) dos Estados Unidos aprovou a utilização da primeira pílula para ajudar a prevenir a AIDS. Com o nome comercial de Truvada, a pílula do laboratório Gilead Sciences deverá ser utilizada principalmente por pessoas consideradas em grupos de risco.
No anúncio da FDA foi declarado que "O Truvada deverá ser utilizado na profilaxia prévia à exposição ao HIV, em combinação com práticas de sexo seguro, visando prevenir as infecções por via sexual em adultos de alto risco. O Truvada é portanto o primeiro remédio aprovado com esta indicação".
Encontrado no mercado farmacêutico desde 2004, nos Estados Unidos, esse medicamento já vinha sendo utilizado em combinação com outros anti-retrovirais no tratamento de portadores do vírus HIV. Ele na verdade é uma combinação de outras duas drogas mais antigas o Emtriva e o Viread receitadas pelos médicos como parte de um coquetel de medicamentos que visam dificultar a proliferação do vírus e consequentemente reduzindo o desenvolvimento da doença.
A autorização da FDA para que este medicamento seja indicado agora também para pessoas que não sejam portadoras do vírus da AIDS, no sentido de auxiliar na prevenção contra a infecção, é resultado de testes clínicos que demonstraram que ele pode reduzir o risco de contaminação pelo HIV de 44 a 73% em homens homossexuais sadios. A aprovação permite que o fabricante do medicamento possa vendê-lo formalmente segundo condições pré-estabelecidas pelo órgão americano. Nos Estados Unidos, os médicos a partir de agora estão autorizados a prescrever o Truvada a grupos de alto risco como prostitutas ou casais que tenham um dos parceiros soropositivo.
O principal estudo a indicar a eficiência desta droga também na prevenção da infecção pelo HIV foi publicado em 2010 no New England Journal of Medicine. Os cientistas analisaram informações sobre 2499 homens selecionados para tomar uma dose diária do Truvada. Todos mantiveram relações homossexuais. Alguns dos participantes tomaram um medicamento sem nenhum efeito (placebo). Entre os que tomaram regularmente o Truvada a redução das infecções pelo HIV foi de quase 73%. Esses resultados pela primeira vez demonstram que um medicamento já autorizado pela FDA foi capaz de diminuir a probabilidade de contrair o vírus HIV.
Apenas nos Estados Unidos 50 mil americanos são diagnosticados portadores do vírus HIV todo ano. A comissária do FDA, Margaret A. Hamburg classificou a aprovação do Truvada como um "importante marco na luta contra o HIV".
No entanto, o próprio FDA alerta que o medicamento sozinho é incapaz de evitar a doença. É importante que as pessoas continuem utilizando os métodos já conhecidos como a camisinha.
O infectologista da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Ricardo Shobbie Diaz, afirmou a revista Veja que, os estudos mais conclusivos até o momento se referem a homens que mantém relações sexuais com homens, portanto a droga deverá inicialmente ser indicada para esse grupo.
Enquanto uma boa parte dos cientistas comemora, essa aprovação tem sido rejeitada por alguns grupos de prevenção da Aids, como a Aids Healthcare Foundation, dos Estados Unidos. A organização defende a idéia de que se for usado de forma contínua o medicamento poderá causar a falsa sensação de segurança o que faria as pessoas a abandonarem métodos de prevenção mais eficazes como o uso de preservativos.Os efeitos colaterais provocados pelo Truvada em geral são vômitos, diarréia e tontura, sendo que há casos também relatados de intoxicação hepática e alteração das funções renais.O Custo do Tratamento
Uma outra questão importante que vem a tona é a respeito do alto custo dos medicamentos para portadores do HIV. Kevin Robert Frost, executivo da fundação de pesquisa da AIDS amfAR, declarou que “Aparentemente, poder prevenir o HIV com uma pílula é algo maravilhoso. Mas se você olhar com mais detalhe as coisas começam a se tornar mais complicadas. Quando eu chego à questão de quem vai pagar por isso eu fico completamente aturdido. Na maioria dos países em desenvolvimento eles não conseguem nem dar medicamento para aqueles que já são HIV positivos.”
O portador do vírus da AIDS caso não seja tratado, pode ter seu sistema imunológico completamente comprometido. A doença matou 1,8 milhão de pessoas somente em 2010.
Conforme a UNAIDS, programa das Nações Unidas sobre HIV / AIDS, em países de baixa e média renda, apenas 6,6 milhões de pessoas, entre as 15 milhões que precisavam de tratamento, receberam o coquetel de drogas. A medicação é essencial para que essas pessoas possam prolongar suas vidas reduzindo o vírus a níveis indetectáveis.
Para conseguir medicar as pessoas já infectadas seriam necessários um acréscimo de mais 6 bilhões de dólares em cima dos 16 bilhões gastos para combater o vírus no ano passado.
No Brasil, o Ministério da Saúde informa que a inclusão deste medicamento no coquetel distribuído para portadores do HIV já foi analisada há dois anos e não foi encontrada uma justificativa para a troca das drogas. A utilização do Truvada encareceria bastante o custo do coquetel distribuído pelo Ministério da Saúde. No entanto como a droga já é devidamente registrada no país, ela pode ser receitada e comercializada normalmente por aqui.
Francois Venter, executivo do Wits Reproductive Health and HIV Institute em Johanesburgo, África do Sul, afirmou que também ficou bastante animado com o anúncio em 2010 de que o Truvada poderia diminuir o risco de contaminação pelo HIV em pessoas saudáveis. Mas desde então ele diz que tem conseguido preescrever o medicamento como medida de prevenção a um restrito grupo de pacientes que podem arcar com o custo de 480 dólares ao ano. Em seu país quase 1 terço da população vive com menos de 2 dólares por dia o que torna essa medicação fora de cogitação.
Nos Estados Unidos, onde a média de renda das famílias é mais de 51 mil dólares ao ano, sendo que a maioria dispõe de convênio medico, a perspectiva é bem diferente. A droga agora passa efetivamente a ser encarada como um importante aliado na prevenção da AIDS.
Ken Mayer, diretor do centro médico do Fenway Institute em Boston afirmou que “há pessoas em tratamento conosco que estão no grupo de alto risco. Eu realmente acho que a partir de então poderemos nos tornar mais eficientes ao protegê-los para que não sejam infectados.”
Para fazer o mesmo na África e na Ásia isso custaria bilhões de dólares aos cofres públicos.
Questões Éticas
Para Venter, muitos países não tem dinheiro sequer para medicar as pessoas já infectadas, sobretudo na África e na Ásia. Nesse sentido, colocar a prevenção acima do tratamento não faz sentido sobre o ponto de vista econômico nem seria eticamente responsável.
O pesquisador Timothy Hallet do Imperial College of London estimou que em países com uma alta incidência de portadores de HIV, teriam que ser tratadas pelo menos de 50 a 100 pessoas para se conseguir prevenir apenas uma infecção. Em outro estudo ele concluiu que em Kisumu, no Quênia, onde 1 em cada 10 adultos estão infectados , haveria um custo de 14 a 20 mil dólares para prevenir apenas uma infecção assumindo que fosse dado o remédio Truvada diariamente para a metade dos indivíduos com alto risco de infecção.
O custo e a complexidade para administrar esse novo medicamento como medida de prevenção para milhões de pessoas seriam muito altos.
O laboratório Gilead já vende o Truvada em países menos desenvolvidos praticamente sem lucro. Eles também cederam os direitos para que fabricantes de medicamentos genéricos da Índia possam vender o remédio. Estas medidas fazem parte de uma estratégia da empresa para ajudar a diminuir o preço em 112 países, segundo informou Cara Miller, porta-voz da Foster City, empresa sediada na Califórnia que é líder na fabricação de drogas para tratamento da AIDS.
Segundo ela, o tratamento chega a ser vendido por um custo de apenas 8 dólares ao mês em alguns países pouco desenvolvidos.
Michel Alary, professor da Université Laval, em Quebec no Canadá, alerta que mesmo que houvesse bilhões de dólares disponíveis para fornecer Truvada a toda população de risco, a droga não seria uma panacéia resolvendo todos os problemas.
Segundo ele, algumas pessoas não vão se lembrar de tomar a medicação diariamente, o que é essencial para que ele seja eficaz. Essa irregularidade no uso do Truvada poderia resultar em infecção por HIV e ainda piorar a situação a medida que poderia promover o desenvolvimento de variações mais resistentes do vírus.
A preocupação de Alary é que os usuários do Truvada possam ter uma falsa sensação de segurança por não compreenderem totalmente as propriedades da pílula.
Caso as pessoas parem de usar preservativos, e ainda não tomem a pílula regularmente todo dia elas ficariam expostas e isso poderia levar a um aumento nas infecções. Para ele é importante que os governos no momento continuem focando seus esforços em campanhas de conscientização sobre a importância do preservativo e do sexo seguro.
A Organização Mundial de Saúde (OMS), está planejando emitir diretrizes indicando o uso do Truvada como prevenção para homens que têm sexo com homens e também para casais em que um dos parceiros está comprovadamente infectado.
Gottfried Hirnschall, diretor do departamento de HIV da OMS informou que por enquanto, a OMS não está recomendando o uso da pílula em profissionais do sexo porque não há dados suficientes para comprovar que esse grupo seria beneficiado e que essas pessoas iriam tomá-lo regularmente.
Essas preocupações com o custo e o uso da pílula para prevenção da AIDS não são de todo desanimadoras. Anthony Fauci, que é diretor do Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas em Bethesda, Maryland, afirma que há uma década, ouviu muitas pessoas preocupadas a respeito do Plano de Emergência da Presidência dos EUA contra a AIDS. Hoje esse programa já provê tratamento para 3,9 milhões de pessoas. Com muito trabalho, essas questões foram superadas, disse ele.
Imagens:
Divulgação e Lacy/Corbis
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