O Mistério do Stardust
O Mistério do Stardust
A lista de passageiros do vôo CS-59 da British South American Airlines (BSAA) seria perfeita para iniciar um misterioso romance policial como os que consagraram a saudosa escritora Agatha Christie. Era 2 de agosto de 1947 e a bordo do reluzente Lancastrian, a versão comercial do lendário bombardeiro Lancaster da Segunda Guerra Mundial, estavam dois amigos, um suíço e o outro inglês, comerciantes em visita a América do Sul. Também a bordo, um Palestino sobre o qual haviam suspeitas de que estaria levando um diamante escondido no casaco. Naquele fatídico vôo sobre a cordilheira dos Andes o passageiro mais velho era uma senhora alemã com idade em torno dos setenta anos que retornava para sua casa no Chile depois de uma viagem que se prolongara além do desejado em virtude da segunda guerra mundial. Entre as pessoas que estavam naquele avião constava também um empregado da companhia Dunlop de pneus que no passado tinha sido tutor do príncipe Michael da Romênia. Completava a lista de personagens dignos de uma história de espionagem, um membro do seleto grupo de civis que serviam a coroa britânica, conhecidos como Mensageiros do Rei chamado Paul Simpson. Em seu poder estava uma valise endereçada ao embaixador britânico na região. No total eram 11 ocupantes da aeronave naquele vôo que partiu de Buenos Aires para Santiago no Chile, via Mendoza.
A tripulação do Lancastrian, também conhecido como Star Dust, era composta de ex membros da Força Aérea Real e tinha como capitão o condecorado veterano de guerra Reginald Cook. Atravessar a perigosa cadeia de montanhas andinas naquele rigoroso inverno, em condições próximas ao limite da capacidade daquela aeronave exigiria todo conhecimento e habilidade do experiente piloto.
Durante a viagem a tripulação manteve contato com o solo através de comunicação por radio, utilizando código Morse. Um pouco antes de chegar no seu destino eles informaram sua aproximação. Mas então, o controle de tráfego áreo de Santiago recebeu uma misteriosa mensagem contendo apenas sete letras: "S-T-E-N-D-E-C". O operador de radio do aeroporto não entendeu ess abreviação emitida em Morse e pediu para que o sinal fosse repetido. E a mesma palavra teria sido repetida por mais duas vezes. Depois disso, o operador do aeroporto ainda tentou contato com o avião mas como resposta obteve apenas o silêncio.O vôo CS-59 nunca chegou ao seu destino e a desconhecida mensagem foi sua última comunicação.
Argentinos e Chilenos realizaram exaustivas buscas tanto pela terra quanto pelo ar sem no entanto encontrarem nenhum vestígio do Star Dust. Por cerca de 50 anos esse desaparecimento figurou como um dos mais intrigantes mistérios da aviação gerando todo tipo de especulação sobre o que teria acontecido.
O desaparecimento do Star Dust aconteceu numa época de turbulência política na América do Sul.A deteriorada relação entre a Inglaterra e a Argentina fez com que recaísse suspeitas de que alguma sabotagem poderia ter impedido que o mensageiro britânico pudesse entregar os documentos endereçados a embaixada. Além disso, a presença da senhora alemã no avião não poderia ser ignorada numa época em que tanto americanos quanto ingleses acusavam o governo argentino de Juan Perón de dar abrigo a criminosos nazistas que fugiam da Europa. A presença do palestino rico, do comerciante inglês além da relação de um passageiro com a realeza romena, davam ainda mais margem a todo tipo de teoria. No entanto, nunca houve nenhuma prova concreta de que o acidente tenha sido provocado por alguma espécie de conspiração.
Tantas foram as histórias em torno do desaparecimento do Star Dust que mesmo uma possível abdução por extra-terrestres foi cogitada. Em 1970 o nome “Stendek” foi dado inclusive a uma revista espanhola especializada em ufologia.
Mas parece que a curiosa lista de passageiros a bordo do Stardust naquele fatídico vôo não é nada mais do que o reflexo de uma época conturbada ainda sob os efeitos do pós-guerra.
Na Argentina a queda do avião com seus curiosos ocupantes deu margem ao surgimento de várias histórias que levaram muitas pessoas a acreditarem que junto aos destroços do acidente haveria um tesouro a ser encontrado. Alguns acreditavam inclusive que o Star Dust teria passado sobre o Chile e caído no Oceano Pacífico.
Mas foi em 1998 que o mistério começou a ser elucidado. Alpinistas encontraram um motor Rolls Royce no pé do Tupungato, um vulcão coberto de neve a cerca de 50 milhas ao leste de Santiago. Isso era surpreendente porque aquele local já havia sido visitado nos últimos 50 anos sem que no entanto não houvesse nenhum relato de terem sido encontrados destroços de qualquer espécie.
O interesse em desvendar o mistério do Star Dust foi despertado assim que a descoberta foi noticiada. Uma expedição conjunta de civis e militares conseguiu se aproximar do local no ano seguinte mas teve que retornar devido à péssima condição do tempo. Em janeiro de 2000 uma nova expedição foi organizada. Um grupo composto por 100 soldados liderados pelo Dr Carlos Bauza do exército argentino e acompanhada por uma equipe de jornalistas da BBC descobriu cerca de 10% dos destroços do acidente incluindo uma peça de hélice, duas rodas (uma delas ainda cheia de ar), um tubo de oxigênio e pedaços da fuselagem. Foi usado então um GPS para registrar a posição de cada item na tentativa de posteriormente auxiliar na reconstituição do cenário do acidente e consequentemente apurar sua causa. Devido ao estado de decomposição dos restos humanos encontrados não foi possível fazer o exame de DNA que permitiria identificar as vítimas. Com o aquecimento global aumentando o degelo das montanhas é possível que mais destroços do StarDust sejam encontrados ainda ao longo dos próximos anos. Segundo um dos membros da expedição que visitou o local Alejo Moiso, foram encontradas roupas, uma carteira pequena e uma valise vazia mas nenhum documento importante e complementou dizendo que não acredita que houve saques nos destroços ao longo dos anos como foi cogitado. O mais provável segundo ele é que se haviam documentos estes foram completamente destruídos pela ação do tempo nestas 5 décadas que se passaram desde o acidente.
O Lancastrian na época era a aeronave que conseguia voar mais alto, chegando 24 mil pés de altitude. Constatando que o mau tempo se aproximava, o piloto Reginald Cook teria subido até quase ao limite do que sua aeronave tolerava. Passou a voar então acima das nuvens e cadeia montanhosa. Como esse avião não era pressurizado, a aeromoça Iris Evans, teria sugerido o uso de oxigênio aos passageiros. Sem o auxílio de uma base em terra para orientar sua navegação, nem tampouco podendo contar com os sistemas de satélite que temos hoje em dia, a tripulação estimava sua posição através de cálculos feitos na base do compasso, cronômetro e na velocidade do vento. Apesar do equipamento considerado rudimentar para os padrões atuais, o experimentado piloto Cook era capaz de obter com impressionante precisão as informações que orientavam o vôo, mesmo sem o contato visual com o solo.
Depois de várias horas voando acima das densas nuvens, os cálculos do piloto lhe indicavam que já havia transposto os Andes. Ele deu inicío então a delicada descida. O operador de radio do avião emitiu mensagem em código Morse informando que faltavam cerca de 4 minutos para a chegada em Santiago e ao final ele enviou as enigmáticas letras: 'STENDEC'. O operador no aeroporto não tinha porque questionar a posição informada pelo Stardust, embora não tenha entendido a palavra final. Ele pediu então para que o operador da aeronave a repetisse. O operador de rádio no aeroporto então recebeu a mesma palavra por mais duas vezes. Depois disso não houve mais respostas do Stardust.
O avião havia se chocado contra o a parte mais alta do Tupungato, a cerca de 50 milhas do aeroporto de Santiago matando todos seus ocupantes. O impacto no monte coberto de neve provavelmente provocou uma avalanche que soterrou os destroços do Stardust impedindo que as missões de busca o encontrasse.
Acúmulos sucessivos de neve ao longo do tempo fizeram com que os restos do acidente fossem cada vez mais enterrados no gelo da montanha. Lentamente os destroços foram então descendo junto com a neve que o envolvia em direção a base do monte onde o ar já não é tão frio. Cinco décadas se passaram até que os restos do Lancastrian emergisse da neve para ser encontrado.
Ao analisarem relatórios climáticos da época pesquisadores sugerem que a causa mais provável do acidente foi um terrível erro de cálculo do piloto Reginald Cook: eles explicam que na época do vôo do Stardust as condições naquela parte da América do Sul eram perfeitas para que ocorresse um fenômeno conhecido hoje como “Jet stream”. Tratam-se de correntes de vento de grande velocidade que formam em elevadas altitudes. Essas correntes deslocando-se velozmente eram desconhecidas na época pelo capitão Cook. A forte resistência causada por esse fenômeno fez com que a aeronave perdesse velocidade confundindo os cálculos da tripulação.
Durante a Segunda Guerra já haviam sido feitos relatos deste fenômeno meteorológico. Pilotos aliados relataram que inexplicáveis ventos de velocidade altíssima surgiam inexplicavelmente em suas rotas. Os japoneses parecem que conheciam melhor esse fenômeno pois com base neles realizaram um ataque com balões carregados de explosivos enviando-os a partir do Japão para que viajassem até a América impulsionados pelos Jet streams. Demorou uma década para que os cientistas formulassem uma teoria consistente sobre essas correntes de vento a ponto de ser possível prever quando e onde irão ocorrer.
O Mistério da palavra STENDEC
Ainda persiste um certo mistério envolvendo a mensagem final 'STENDEC' transmitida nos momentos que antecederam o acidente aéreo e cujo significado até hoje não foi completamente explicado.
Quatro minutos antes de sua possível chegada, o operador de rádio do aeroporto de Santiago recebeu a mensagem “ETA SANTIAGO 17.45 STENDEC.” ETA é a abreviação de Estimated Time of Arrival, Hora Estimada de Chegada. Ao longo do tempo várias teorias sobre o significado da última palavra da mensagem foram propostas sem que nenhuma tenha sido unanimemente aceita. Uns tem sugerido que a última palavra seja um acrônimo da expressão em inglês “Starting Enroute Descent” (começando manobra de descida) , ou ainda Severe Turbulence Encountered Now Descending Emergency Crash Landing, (Severa Turbulência encontrada agora descendo pouso de emergência) , todas provavelmente sem nenhum fundamento pois não era nem um pouco comum usar esse tipo de abreviação nestes casos.
Também é improvável que a palavra S-T-E-N-D-E-C tenha sido um erro do operador de rádio que teria resultado num anagrama da palavra “Descent” (descida) em inglês principalmente porque a mensagem foi transmitida em código Morse e como podemos ver abaixo há uma significativa diferença para que o erro tenha sido cometido três vezes pelo operador de rádio no Stardust. O código Morse representa os caracteres a partir de combinações de pontos, traços e espaços, por exemplo:
-.. / . / ... / -.-. / . / -. / - (Descent)
... / - / . / -. / -.. / . / -.-. (STENDEC)
É relativamente fácil trocar pontos por barras no código morse, o que resultaria em mensagens completamente diferentes entretanto o operator em Santiago solicitou e recebeu a mesma mensagem clara três vezes sucessivas o que torna pouco provável o erro de interpretação. A mensagem nem mesmo indica nenhum problema na aeronave pois se fosse o caso, porque o Stardust não teria emitido uma simples mensagem de SOS, tão facilmente identificável em qualquer lugar do mundo.
Mesmo a palavra Stardust é parecida em código morse com S-T-E-N-D-E-C mas é improvável que tenha sido essa a intenção do operador do avião porque as aeronaves são identificadas através de seu registro e não pelo nome. No caso do Stardust o registro é G-AGWH.
Há muitas outras explicações que citam erros de interpretação ou na emissão da última transmissão do Stardust, mas o fato é que fica claro que STENDEC não foi o que se pretendia comunicar pois essa palavra não faz sentido em praticamente nenhum idioma, mesmo como abreviação.
A provável causa do acidente aqui apresentada é a mais plausível até então, mas o que definitivamente aconteceu naquela fria tarde de agosto de 1947 bem como o que o operador do rádio no Stardust quis dizer em sua última mensagem provavelmente nunca saberemos.
De minha parte eu ainda tenho mais uma curiosidade a apontar: a palavra Stardust em inglês significa poeira das estrelas. Já o nome Tupungato (segundo o a Wikipedia) significa "janela de estrelas” no idioma indígena local.
Ainda citaria uma interessante entrevista da BBC entre pessoas envolvidas nas expedições ao local, bem como familiares das vítimas (em inglês) no link abaixo:
http://www.bbc.co.uk/science/
Outras Referências:
http://www.travel-plan-idea.
Revista Época